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Dezembro de sangue do Paraguai

Amigo leitor: 152 anos atrás, em 1868, o mês de dezembro se caracterizou pelo recrudescimento da Guerra do Paraguai, na série de batalhas conhecida como “a Dezem-brada”. Enquanto o Brasil, totalmente católico, preparava-se para o Natal, muito sangue tingiu o solo sul-americano naquela guerra fratricida. E um velho soldado mostrou o seu valor.
A cruenta guerra havia começado em novembro de 1864, quando o governo pa-raguaio aprisionou um navio civil brasileiro e, depois, invadiu o Mato Grosso e o Rio Grande do Sul. O Presidente hereditário do Paraguai, Francisco Solano Lopes, buscava, pelas armas, um protagonismo na política regional, negociar uma saída para o mar e resol-ver contendas de fronteira.
Mas as coisas não correram como Lopes esperava. A Argentina e o novo governo do Uruguai aliaram-se ao Brasil. Em junho de 1865, a Batalha do Riachuelo decretou o fim da Armada paraguaia. Em 24 de maio de 1866, a Batalha de Tuiuti exterminou a ca-pacidade ofensiva do Exército guarani. Restava a Lopes propor a paz ou promover uma longa e desgastante guerra defensiva. Ele escolheu a guerra.
Diferente do que aparece em filmes sobre vikings e bárbaros, o defensor sempre está em vantagem nas batalhas. Lopes havia contratado engenheiros ingleses e estabeleci-do linhas e mais linhas de fortificações, defesas que impediram o avanço dos aliados. Este retardo, aliado à influência da política partidária sobre as decisões estratégicas, levou a Guerra a um impasse. Então o Imperador Pedro II convocou o Marechal Luiz Alves de Lima e Silva, o Marquês e futuro Duque de Caxias, para comandar as tropas aliadas. Ca-xias já contava com 63 anos, numa época em que a expectativa de vida era menos que 32 anos.
Ele mudou a estrutura e o treinamento das tropas aliadas, reorganizou a Logística, melhorou a disciplina, a assistência e o ânimo das tropas. Ao final de 1868, iniciou as operações de ataque. Em apenas 24 dias, os brasileiros construíram uma estrada de tron-cos pelo meio dos pântanos, o que permitiu contornar as linhas defensivas guaranis e ata-car por direções inesperadas.
A Dezembrada foi o conjunto das batalhas de Itororó, Avaí, Lomas Valentinas e da Rendição de Angostura.
Na região da ponte sobre o Rio Itororó, os paraguaios estabeleceram uma forte posição defensiva, apoiada por canhões. No dia 6de dezembro, aconteceram cinco ata-ques sucessivos, e cinco fracassos dos aliados, com muitas baixas. O desânimo começava a se espalhar entre os atacantes. Até que o velho Marechal Caxias, à frente das tropas prontas para mais um ataque, lançou-se a cavalo sobre a ponte, gritando vivas ao Impera-dor e a célebre frase: “sigam-me os que forem brasileiros”. O exemplo do velho chefe, destemido ante a morte quase certa, eletrizou os soldados imperiais, que impuseram uma derrota aos defensores.
A mortandade de lado a lado prosseguiu na Batalha do Avaí, em 11 de dezem-bro, a qual foi retratada em famoso quadro do Pedro Américo. Mais uma vez, Caxias ven-ce, mas Solano Lopes consegue fugir com suas tropas.
Em Lomas Valentinas, os combates iniciaram no dia 21, mas a vitória aliada só se consolidou no dia 27 de dezembro. Foi um Natal de sangue e dor. Com as tropas des-truídas, Solano Lopes retirou-se com a cavalaria remanescente. Caxias não o perseguiu, supondo que Lopes desistiria da guerra e buscaria asilo na Bolívia ou Chile.
O próximo obstáculo eram o forte de Angostura, cercado por nove quilômetros de trincheiras, construídas pelo engenheiro inglês George Thompson. A 30 de dezembro, a guarnição de Angostura, abandonada pelo governo, rendeu-se a Caxias sem um tiro. Cen-tenas de vidas foram poupadas, e o caminho para a capital paraguaia estava aberto.
Assunção foi ocupada pelos aliados em 01 de janeiro de 1869, e um Caxias mui-to doente retirou-se para o Brasil. Foi substituído pelo genro do Imperador, o Conde D’Eu. A sangrenta guerra parecia acabada…
Mas Lopes reuniu o que restava de seu Exército, e passou a percorrer o país arre-banhando pessoas de todas as idades para lutar. Foi a “Campanha da Cordilheira”, de tris-te memória para brasileiros e paraguaios. Dezesseis meses e dezenas de milhares de mor-tos depois, Lopes morreu lutando e, finalmente, a Guerra da Tríplice Aliança terminou definitivamente em 01 de março de 1870.
Amigo Leitor, nós que estamos vivenciando uma pandemia nesse final de 2020, na realidade fomos até poupados, no curso inexorável da História, de inúmeros e muito piores males que assolaram nossos antepassados. Epidemias, assim como terremotos ou vulcões, são episódios da natureza. As guerras, não: são frutos da ignorância, da ambição de poucos homens maus e da omissão dos homens bons. Possa Deus permitir que, ao lon-go dos séculos que hão de vir, nenhuma geração de brasileiros ou paraguaios tenha outro Natal como o de 1868.
Até a próxima.

Artigo de Francisco Mineiro