As Olimpíadas acontecem num ano ímpar, sob desconfiança dos japoneses e sem público. O protagonismo será inteiramente dos atletas.
Quando a decisão de adiar os Jogos Olímpicos de Tóquio foi tomada há pouco mais de um ano, esperava-se que a realidade de agora fosse outra, com a covid-19 finalmente vencidas. A ideia era transformar os jogos no grande símbolo de superação do mundo depois de milhões de mortes provocadas pela doença. Infelizmente, o inimigo se mostrou muito mais forte e surpreendente do que se imaginava e boa parte do mundo vive algo pior do que há um ano.
Mesmo que países como Reino Unido e Estados Unidos estejam bem avançados nos índices de vacinação, com óbitos se aproximando do zero e retomada da vida normal, o cenário na maior parte do planeta ainda é muito preocupante, inclusive em países ricos. O Japão, sede da Olimpíada, é um bom exemplo. O país asiático já passou por três ondas de contágio, sendo a última no começo do ano e agora se preocupa com a possibilidade de uma quarta. No mês de junho, decretou o fim do estado de emergência, que previa medidas mais restritivas para funcionamento de estabelecimentos e mobilidade de pessoas. Ainda assim, vive sob um estado de ‘quase emergência’, em que bares e restaurantes só podem funcionar às 20h e bebidas alcoólicas ficam proibidas após as 19h.
Mesmo que as medidas deixem de vigorar antes da abertura da Olimpíada, que ocorre no dia 23 de julho, a competições devem ocorrer num ambiente completamente atípico. Além de estarmos num ano ímpar, o que em si já é bem estranho quando falamos de grandes eventos, as arenas, ginásios e estádios Os turistas e viajantes estrangeiros que dão a alegria e a atmosfera ao acontecimento estão proibidos de visitar o Japão. A cerimônia de abertura, momento mais esperado, terá a presença de apenas metade dos atletas inscritos.
Além disso, a organização dos jogos deve ser bem rigorosa nos protocolos anti-covid, a fim de evitar contágios fora do controle entre atletas, trabalhadores e delegações. O medo é tão grande que, no último mês, mais de 10 mil voluntários desistiram de trabalhar na parte de apoio. Ao todo, eram 80 mil recrutados.
Essas e outras circunstâncias fizeram com que boa parte dos japoneses – mais de 80% segundo a última pesquisa realizada em maio – se posicionasse contra a realização dos jogos no país. O jornal Asahi Shimbun, um dos principais do Japão e patrocinador do evento, também se manifestaram a favor do cancelamento das competições.
O problema é que proibir a realização de uma olimpíada vai muito além de uma mera decisão administrativa. Os 11 mil atletas que vão disputar as medalhas se preparam durante uma vida inteira para este momento. É o auge da trajetória deles e a única oportunidade para muitos de serem reconhecidos ou pelo menos notados. Cancelar os jogos seria destruir sonhos, um direito que o Comitê Olímpico Internacional acredita não ter.
São histórias de vida como a do judoca Rafael Silva, campo-grandense de 33 anos de idade. Ganhador da medalha de bronze na categoria acima de 100 kg nos jogos de Londres em 2012 e do Rio em 2016, ele parte agora para sua terceira participação. Ou mesmo de outra judoca sul-mato-grossense, a jovem Alexia Nascimento, de 19 anos de idade. Apoiada pela Fundesporte, ela não irá competir nos jogos deste ano, mas viaja com a delegação para participar dos treinamentos e preparação dos outros atletas, já visando uma vaga nos Jogos de Paris em 2024. A experiência em Tóquio é essencial para ela. Na natação, o estado é representado pelo atleta Leonardo de Deus, de 30 anos.
Há também a jogadora de futebol Bruna Benites, convocada para a seleção. No início de carreira, em 2008, Bruna jogou no Comercial EC em Campo Grande. Com todas as dificuldades que envolvem o futebol feminino no Brasil, ela se manteve firme em seu propósito, colecionou conquistas e tem agora no Japão o maior desafio de sua carreira. Nos Jogos Paralímpicos, que ocorrem na sequência, há também representantes de MS, como os paracanoístas Fernando Rufino de Debora Benevides Silvania, além dos corredores Yeltsin Jacquese Fabio Ferreira.
Os Jogos Olímpicos também são importantes para muitos atletas consagrados de outras regiões do Brasil. Entre os quase 280 participantes que representam o país, destacam-se o ginasta Arthur Zanetti, medalha de ouro nas argolas em 2016 e o canoísta Isaquias Queiroz, primeiro brasileiro a ganhar três medalhas numa mesma edição dos jogos, no Rio. Eles chegam com bastante expectativa, assim como as seleções de vôlei masculino e feminino e a seleção de futebol masculino, liderada por Neymar.
Entre todos os países, porém, a principal candidata a ser a grande heroína desta edição é a ginasta norte-americana Simone Biles. Na última vez, ela conquistou quatro medalhas de ouro e uma de bronze, além de ser a única mulher a ganhar três mundiais consecutivos. Agora, surge para fazer ainda mais história, pois, nas últimas competições, está conseguindo executar movimentos que nunca haviam sido completados por ginastas mulheres.
A figura de Simone é emblemática porque representa também o poder da mulher negra em tempos de fortes tensões raciais nos EUA e pela sua história de superação depois dos abusos sexuais que sofreu na infância, assim como tantas outras colegas.
Por todas essas razões, a Olimpíada de Tóquio 2020, que acontece em 2021, será diferente. Pode ser menos bela, impressionante e até despertar menos interesse do que as anteriores, mas certamente carrega a sua dose de magia.