Saúde

‘Não se fala mais em afastamento social’, diz Pazuello ao citar as eleições; declaração é criticada por especialistas

Foto: Ministério da Saúde/Divulgação

Ministro da Saúde apontou que eleições municipais geraram aglomerações, mas não houve registro de aumento dos casos de Covid-19. Números, porém, mostram alta nos diagnósticos.

Em meio à volta de restrições em algumas partes do país para reduzir o contágio pelo novo coronavírus, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse nesta quarta-feira (2) que não se pode mais falar em afastamento social depois que a campanha para as eleições municipais foi realizada com aglomerações e não houve “aumento de contaminação” pelo coronavírus no Brasil.

A declaração do ministro, entretanto, foi criticada por especialistas (leia mais abaixo).

“Se esse vírus se propaga por aglomeração, por contato pessoal, por aerosóis e nós tivemos a maior campanha democrática que podia ter no nosso país, que é a municipal, nos últimos dois meses. Se isso não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento em contaminação, não podemos falar mais em lockdown, nem nada”, disse Pazuello durante audiência na comissão do Congresso que acompanha medidas de enfrentamento à pandemia.

“Se todo o processo eleitoral dos municípios, com todas as campanhas, aglomerações e eventos, se isso não causa nenhum tipo de aumento de contaminação no nosso país, então não se fala mais em afastamento social”, completou o ministro.

Dados do consórcio de veículos de imprensa divulgados na terça (1º), entretanto, mostram que a média móvel nos últimos 7 dias foi de 38.154 novos diagnósticos por dia, a maior desde 6 de setembro — quando o país chegou a 39.356. Isso representa uma variação de 35% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica tendência de alta nos diagnósticos.

A fala do ministro diverge da avaliação do governo de São Paulo. O coordenador do Centro de Contingência da Covid-19, José Medina, disse na semana passada que as campanhas eleitorais para prefeito e vereador no estado de São Paulo estimularam “contatos de corpo a corpo, aglomerações e festas”, o que pode ter impulsionado a disseminação do coronavírus.

Especialistas consultados pelo G1 também contrariam as declarações de Pazuello.

“O aumento do número de casos nas últimas semanas é evidente, conforme os dados apresentados exaustivamente, e de forma muito competente, pelo consórcio de veículos de imprensa. Houve aumento da média móvel de casos e de mortes”, avaliou o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul.

“Sobre a questão de lockdown ser efetivo ou não, o ministro demonstra desconhecimento da literatura científica sobre o tema, tendo em vista a vasta evidência das milhões de vidas que foram salvas no mundo com boas políticas de restrição de circulação”, acrescentou o especialista.

Para Paulo Lotufo, epidemiologista da Faculdade de Medicina da USP, “estamos vendo agora [as consequências] do primeiro turno. Daqui a 15, 20 dias, vamos ver ainda mais”.

“O aumento, o repique, a segunda onda, o que for, é justamente devido ao que aconteceu nas eleições. Ele [Pazuello] tem um problema de percepção, de associar uma coisa com a outra. O que aconteceu obviamente foi que se fez um exagero por causa das eleições, nos estados e municípios, e agora estamos pagando por isso”, afirmou Lotufo.

Campanha e dias de votação

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou uma série de medidas de precaução durante os dias de votação do primeiro e do segundo turno das eleições municipais, com o objetivo de garantir segurança na votação.

O uso de máscaras, tanto por eleitores quanto mesários, foi obrigatório. Houve disponibilização de álcool em gel nas seções e os eleitores foram orientados a levarem caneta própria. Também houve orientação em relação ao distanciamento nas filas e dentro das seções.

Durante a campanha, entretanto, alguns candidatos contraíram a Covid-19. Um deles foi o candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos. Já o prefeito eleito de Goiânia (GO), Maguito Vilela (MDB), está há mais de um mês internado devido a complicações da doença.

Volta das restrições

Pazuello deu a declaração num momento em que alguns estados e cidades começam a rever a flexibilização nas restrições devido a novo aumento nos casos de Covid-19.

Nesta quarta (2), todo o estado de São Paulo voltou à fase amarela do plano de flexibilização. Com isso, lojas, shoppings, bares, restaurantes e academias da capital paulista voltaram a reduzir o horário de atendimento e a capacidade de público.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), publicou, na terça-feira (1°), um decreto que restringe o horário de funcionamento de bares e restaurantes do DF. Agora, os estabelecimentos devem encerrar as atividades às 23h.

O anúncio foi feito um dia após a Secretaria de Saúde do DF fazer alerta sobre uma possível segunda onda de Covid-19.

Fabricantes

Pazuello disse ainda que a maioria dos laboratório tem cronogramas de entrega e quantidade de vacinas insuficientes para o Brasil.

Segundo ministro, há uma competição entre as fabricantes com “produção, venda e publicidade muito forte”, mas a “história é bem diferente” quando se enta pra negociar.

“Ficou muito óbvio que são muito poucas as fabricantes que têm a quantidade e o cronograma de entrega efetivo para o nosso país. Quando a gente chega no final das negociações e vai para o cronograma de entrega e fabricação, os números são pífios. Os números são pífios. Números de grande quantidade, realmente, se reduz a uma, duas, três ideias. a maioria fica com números muito pequenos para o nosso país”, afirmou Pazuello.

“Na hora que vai efetivar a compra, vai escolher, não tem bem aquilo que tu quer, o preço não é bem aquele, e a qualidade não é aquela”, acrescentou, sem citar nenhum laboratório.

Durante a audiência, o ministro admitiu a possibilidade de comprar a vacina da farmacêutica Pfizer, por meio do Covax Facility, um consórcio de países criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para garantir acesso equitativo a uma futura vacina da Covid-19.

“O Brasil aderiu a esse consórcio desde o desenvolvimento das vacinas, já com opção de compra, recebimento de 42 milhões de doses, que poderá ser de uma das 10 fabricantes (que participam da Covax). Inclusive a própria AstraZeneca ou a Pfizer, por exemplo”, disse o ministro.

Fonte: G1