Política

Um governo do contra

Posturas de Bolsonaro se amparam em mania de perseguição, teorias conspiracionistas e negação da realidade.

A eleição de Jair Bolsonaro como presidente de República em 2018 não foi atípica apenas pelas circunstâncias anteriores ao pleito, quando o país ainda estava horrorizado com as descobertas de casos de corrupção feitas pela Operação Lava-Jato, que culminou com a condenação prisão do ex-presidente Lula e o consequente impedimento de sua candidatura. A situação havia se tornando ainda mais peculiar com o atentado que Bolsonaro sofreu no dia 6 de setembro daquele ano, esfaqueado por um cidadão chamado Adélio Bispo. O episódio, se não foi determinante para o resultado da eleição, serviu para acirrar ainda mais os ânimos entre os polos da política nacional.

A vitória veio e, com ela, havia certa percepção de que Bolsonaro poderia ter uma pauta positiva em seu governo, com Sergio Moro sendo o homem forte do Ministério da Justiça e Paulo Guedes o ‘dono’ da área econômica. No entanto, antes mesmo de começar, o mandato do atual presidente sofreu um duro golpe, que influenciou todas as suas ações posteriores: as denúncias contra o senador e seu filho Flávio Bolsonaro, acusado de praticar ‘rachadinha’ entre os funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O presidente entendeu a situação como uma perseguição pessoal de parte da administração pública, imprensa e autoridades.

Com o passar do tempo, a paranoia foi ganhando força inflamada com denúncias irresponsáveis, como a que associava o presidente à morte da vereadora carioca Marielle Franco. Além disso, o governador de São Paulo, João Doria, e o então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, ambos eleitos na cola de Bolsonaro, começaram a articular suas próprias candidaturas para a presidência em 2022. Mesmo assim, o governo ainda demonstrava força suficiente para, juntamente com o Congresso, aprovar pautas importantes, como a Reforma da Previdência.

Mas havia uma pandemia no meio do caminho – e foi nela que Bolsonaro cometeu os maiores erros na ânsia de agradar uma pequena parte de seus apoiadores, crentes nas mais variadas teorias da conspiração e negacionistas sobre a gravidade da covid-19 no mundo. O presidente utilizou termos como ‘gripezinha’ e ‘resfriadozinho’ para debochar da doença. Disse que o Brasil precisava deixar de ser uma ‘país de maricas’ e, mais recentemente, classificou as ações de governadores contra a disseminação do coronavírus como “frescura” e “mimimi”. Enquanto isso, o número de mortes crescia em todos os estados.

Com a quantidade de óbitos se aproximando de 300 mil desde abril do ano passado, muitos consideram que o presidente é o grande responsável pela situação estar tão fora de controle. É uma afirmação, diga-se de passagem, errada. A situação do Brasil não está pior do que a de muitos países, inclusive do mundo desenvolvido, como EUA e Reino Unido, tampouco se sobressai diante de países emergentes com governos de ideologia contrária à de Bolsonaro, como México e Argentina. Além disso, questionar o fechamento do comércio como medida eficaz de combate à pandemia, como faz o presidente, deve fazer sim parte da discussão, mas sempre de forma responsável

No entanto, o presidente parece fazer de tudo para prejudicar qualquer conversa séria sobre o tema. Adotou desde cedo a versão de que cloroquina e ivermectina eram remédios milagrosos para Covid-19, defendeu aglomerações, questionou a eficácia das vacinas, o que atrasou a negociação dos imunizantes e agora volta toda a sua artilharia contra o uso de máscaras pela população. Além disso, afirma que está impedido de tomar decisões por força de decisão do STF, sendo que o tribunal apenas ratificou a responsabilidade de estados e municípios sobre as ações de isolamento social.

A insistência de Bolsonaro em jogar contra quase tudo que é recomendação médica já faz com que muito de seus antes fiéis aliados, entre políticos e cidadãos, demonstrem uma impaciência inédita com o presidente. Suas incursões desastradas na política econômica também estão desgastando a imagem do governo perante o mercado. Ainda assim, ele mantém favoritismo nas pesquisas para 2022 e, agora, terá o combustível da possível candidatura de Lula para rivalizar, surfando na onda do desgaste da Lava-Jato que o ajudou a se eleger.

 

 

Foto: AP Photo/Eraldo Peres