Por Reinaldo Adri
Após anos de declínio, percentual de americanos que se identificam como cristãos sobe para 63%, enquanto a secularização desacelera no país.
Por anos, especialistas anunciaram o declínio da religião nos Estados Unidos, prevendo um futuro onde igrejas esvaziadas marcariam o fim da influência da fé na sociedade americana. No entanto, um estudo recente do Pew Research Center publicado pelo jornal New York Times desafia essa narrativa: a chamada “ascensão dos sem religião” parece ter parado, e a espiritualidade segue firme no país.
De acordo com a pesquisa, 92% dos americanos dizem ter pelo menos uma crença espiritual — seja na existência de uma alma, de um Deus ou espírito universal, na vida após a morte ou em algo além do mundo material. Esse dado mostra que, apesar da queda no número de cristãos nas últimas décadas, os EUA continuam sendo uma exceção em comparação com outras nações ocidentais, onde a secularização avançou de forma mais intensa.
O que está acontecendo?
Nas últimas duas décadas, milhões de americanos abandonaram suas religiões. O impacto foi significativo: mudou padrões de casamento, voto e até mesmo escolhas de moradia. O cristianismo foi o mais afetado, com cerca de 15% dos fiéis deixando de frequentar igrejas. Ao mesmo tempo, o grupo dos chamados “sem religião” — aqueles que se identificam como ateus, agnósticos ou simplesmente sem filiação religiosa — cresceu e chegou a representar quase 30% da população.
Contudo, essa tendência parece ter parado. O percentual de americanos que se identificam como cristãos, que havia caído para 60% em 2022, agora subiu para 63% em 2024. E outras religiões, como o islamismo e o hinduísmo, continuam crescendo, impulsionadas principalmente pela imigração.
Por que isso está acontecendo?
Especialistas apontam alguns fatores para essa mudança. O primeiro deles é a pandemia de Covid-19. Durante esse período, muitas pessoas recorreram à fé como forma de lidar com o sofrimento e a incerteza. Cerca de 40% dos americanos continuaram frequentando cultos, seja presencialmente ou online, e um quarto da população afirmou que sua fé se fortaleceu nesses anos difíceis.
Outro fator é que a secularização nos EUA pode ter atingido um limite. Em comparação com outros países desenvolvidos, os americanos ainda se mostram muito mais religiosos. Eles rezam mais, valorizam a fé em suas vidas e são mais propensos a frequentar serviços religiosos do que os cidadãos de países como Canadá, Austrália e boa parte da Europa.
Além disso, segundo o cientista político Ryan Burge, muitos dos que discordavam de suas religiões por questões políticas ou sociais — como aborto, direitos LGBTQ+ e apoio a Donald Trump — já abandonaram suas igrejas ou mudaram de fé. O que restou, argumenta ele, é um núcleo sólido de fiéis que dificilmente se afastará da religião.
O que isso significa?
O cenário atual reflete um momento de fortalecimento do conservadorismo religioso nos EUA. O governo e as instituições parecem estar mais abertos à influência da fé: a Suprema Corte recentemente reforçou a permissão para orações em escolas públicas, Elon Musk declarou acreditar nos ensinamentos de Jesus, e influenciadoras conhecidas como “tradwives” (esposas tradicionais) promovem valores religiosos nas redes sociais.
No entanto, esse ressurgimento religioso pode ser passageiro. A história americana é marcada por mudanças rápidas de mentalidade, como se viu na transição entre os protestos por justiça racial e a posterior onda de críticas às políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI).
O fato é que, apesar do estancamento da secularização, a busca espiritual continua a moldar a sociedade americana. Os “sem religião” podem voltar a crescer no futuro, mas, por enquanto, os EUA seguem como um país onde a fé ainda ocupa um espaço central na identidade e na cultura de seu povo.