Por Reinaldo Adri
Henry Ford, um dos mais influentes empresários do século XX, é frequentemente lembrado como o visionário que modernizou o processo de produção em massa. Mas Ford trouxe uma revolução que ia além das linhas de montagem: foi o primeiro grande defensor de uma jornada de trabalho de oito horas diárias, cinco dias por semana. Ele acreditava que, com essa mudança, seus trabalhadores ficariam mais dispostos e satisfeitos, aumentando, como consequência, a produtividade e a qualidade dos produtos.
Além disso, Ford enxergava que, ao dispor de tempo para o descanso e o lazer, os trabalhadores se tornariam também consumidores mais ativos, interessados em gastar com bens e serviços, o que retroalimentaria a economia. Ao fazer essa aposta no bem-estar do trabalhador, ele provava que o capitalismo poderia servir de impulso para a construção de uma sociedade mais equilibrada e justa, desmistificando a visão amplamente crítica que muitos ainda têm do sistema.
Esse aspecto positivo do capitalismo é inegável: foi ele que impulsionou a conquista de novos direitos para as mulheres, permitindo que ocupassem espaços no mercado de trabalho, que até então eram restritos aos homens. Na última década, observamos também que a lógica do mercado capitalista, que vê a todos como potenciais consumidores, levou muitas empresas a abraçarem agendas de diversidade e sustentabilidade. Tanto no Brasil quanto no mundo, a inclusão social, a responsabilidade ambiental e práticas sustentáveis — a chamada agenda ESG — tornaram-se essenciais na estrutura das corporações, que passaram a ver nesses valores não apenas uma necessidade ética, mas um atrativo comercial. Com a tecnologia e o consumo em constante crescimento, o capitalismo prova, de certo modo, que pode coexistir com uma sociedade que valoriza o bem-estar, os direitos humanos e a sustentabilidade.
Agora, em um cenário de avanços rápidos na automação e inteligência artificial, a demanda por uma revisão da jornada de trabalho 6×1 — seis dias de trabalho por um de descanso — se apresenta como uma das discussões mais urgentes no mercado de trabalho. A necessidade de trabalhadores está sendo drasticamente reduzida por máquinas cada vez mais eficientes. Em redes de fast food, por exemplo, o atendimento que antes era feito por uma equipe, hoje é realizado, em muitos casos, por totens e sistemas automatizados. Em breve, talvez a própria função de preparar alimentos seja também substituída, deixando os humanos com o papel de supervisão ou manutenção das máquinas.
Situações semelhantes já começam a se desenrolar também em outros setores: trabalhos intelectuais e administrativos, antes executados por equipes de funcionários, são agora realizados por softwares, que oferecem precisão e eficiência superiores.
Esse processo, que começou ainda na Revolução Industrial, se fortaleceu com a revolução digital e atinge um ponto crucial com o advento da inteligência artificial. Hoje, onde antes eram necessários muitos trabalhadores, bastam alguns supervisores e analistas para assegurar que as máquinas e softwares operem corretamente. A redução do espaço para o trabalho humano nas empresas é real e, por mais que isso possa soar distópico, o fato é que a relevância das pessoas como mão de obra diminui, ao passo que sua importância como consumidoras permanece inabalável.
A economia, no fim, sempre girou em torno das pessoas e, para que continuem consumindo, precisam de uma fonte de renda, mas sobretudo de tempo disponível para gastar e usufruir do que compram.
Dessa forma, a redução da jornada de trabalho se torna uma medida inevitável em um mundo que produz cada vez mais e que, paradoxalmente, exige que as pessoas trabalhem menos. Com jornadas mais curtas, os trabalhadores podem ser alocados em escalas diversas, cobrindo um leque maior de horários e funções que, antes, eram concentradas em um pequeno grupo. Isso ainda beneficia setores ligados ao lazer e ao turismo, como restaurantes, hotéis, cinemas e outras formas de entretenimento, uma previsão que Ford já vislumbrava em sua época.
A redução da jornada de trabalho parece, portanto, uma evolução natural para economias que estão sempre à frente em inovação e produção, mas que precisam manter o equilíbrio entre trabalho e consumo. É um passo lógico para sociedades que avançam rumo a um cenário de abundância tecnológica, onde a diminuição do tempo dedicado ao trabalho é uma consequência, e não uma contradição, do progresso humano.