Por Francisco Mineiro.
Amigo Leitor:
Em nossos dias, ano 2022, achamos natural a participação feminina em todos os segmentos do mercado de trabalho. Ocasionalmente, ainda nos surpreendemos com a presença de uma mulher em alguma atividade que exija esforço físico intenso, mas nem isso é considerado absurdo ou chocante.
No começo do século XX não era assim. As mulheres no Ocidente tinham dois destinos: casada ou religiosa. Algumas poucas exerciam “profissões de mulher”, como professora ou enfermeira. Então é realmente louvável o pioneirismo da personagem de nossa coluna de hoje, Anésia Pinheiro Machado.
Nascida na pequena Itapetininga, São Paulo, em 5 de junho de 1904, teria o destino de toda boa moça interiorana. Estudava Farmácia e trabalhava em um jornal local. Mas, numa Festa do Divino em sua cidade, ela conheceu o grande invento brasileiro: o avião, a máquina que voa mesmo sendo mais pesada que o ar. Com apenas 17 anos, em 1921, mudou-se para a capital, São Paulo, para aprender a pilotar. Em março de 1922 realizou seu primeiro voo solo. Naqueles tempos pioneiros, quem concedia o brevê de piloto era o Aeroclube do Brasil, e Anésia foi à segunda mulher brasileira a receber o certificado, em 09 de abril de 1922. A primeira foi sua amiga Thereza de Marzo, que recebera o brevê no dia anterior. Entretanto, Thereza deixou de voar quando se casou, quatro anos depois de diplomada. Um reflexo de seu tempo.
Alguns anos se passaram até outra mulher, Ada Leda Rogato, receber também um brevê de piloto.
Ao contrário da amiga Thereza, Anésia dedicou sua vida ao voo. Já em abril de 1922 foi a primeira piloto mulher a transportar passageiros. Também a primeira a realizar voos acrobáticos. Em setembro do mesmo ano, com parte das comemorações do centenário da Independência, foi a primeira mulher a realizar um voo interestadual, de São Paulo para o Rio de Janeiro. Atualmente, o tempo de voo comercial entre essas duas cidades é de 30 minutos. Anésia precisou de quatro dias. Voava uma hora e meia, pousava e recuperava o avião para o dia seguinte.
O próprio Santos Dumont, sabendo da aventura de Anésia, enviou-lhe uma carta de cumprimentos e uma medalha religiosa, que ela usou como talismã até sua morte.
Mais ou menos na mesma época, Anésia ingressou na Liga Paulista Pelo Progresso Feminino. Esta entidade lutava por coisas que hoje são normais, como as mulheres votarem. Representou a Liga no Primeiro Congresso Feminista Internacional.
Em 1924, Anésia adere à Revolução Tenentista de São Paulo. Voou sobre navios e tropas legalistas. “Bombardeou-os” com flores e folhas de papel com os dizeres: “E se fosse uma bomba?”. Com a derrota da rebelião, Anésia perdeu a licença, e voltou ao jornalismo.
Somente em 1939 conseguiu voltar aos céus. Obteve as licenças de piloto privado, de piloto comercial e de instrutor de voo, conforme as novas leis aeronáuticas. A competência de Anésia como piloto e instrutora fizeram com que, em 1943, fosse convidada pela Civil Aviation Administrationa estudar nos Estados Unidos. Obteve os brevês internacionais de Piloto Comercial e Instrutor de voo. No Brasil, ela foi instrutora em diversas empresas aéreas e no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva da Força Aérea Brasileira. Foi uma das primeiras mulheres a realizar um voo transcontinental, percorrendo os 17.000 km entre Nova Iorque e Rio de Janeiro, em 1951. No mesmo ano, atravessou a Cordilheira dos Andes, feito notável para a época.
Na Conferência de 1954 da Federação Aeronáutica Internacional, realizada em Istambul, Anésia Pinheiro foi reconhecida como a “Decana Mundial da Aviação Feminina”.
Além dos trabalhos técnicos, Anésia trabalhou para difundir pelo Brasil e pelo mundo o reconhecimento do nome de Santos Dumont com o Pai da aviação. Entre outras ações, ela doou ao principal museu mundial, o Smithsonian, uma réplica do 14-bis, e ainda conseguiu que o nome do inventor brasileiro fosse dado a uma cratera da Lua.
Anésia ainda atuou muito com feminista, com defensora da igualdade de direitos e de tratamento entre homens e mulheres. Sua competência e sucessos como piloto davam-lhe visibilidade para defender causas favoráveis às mulheres.
Teve uma breve passagem pelo cinema, ainda nos tempos dos filmes mudos, sempre fazendo o papel de aviadora…
Diversas e merecidas homenagens a pioneira aeronauta recebeu, inclusive uma estátua em sua cidade natal. Anésia Pinheiro faleceu em maio de 1999, aos 94 anos.
Algumas pessoas de nossa História têm um destaquemenor que o merecido. Anésia Pinheiro e suas amigas, Thereza de Marzo e Alda Rogato merecem ser lembradas.


Até a próxima!