Caríssimo Leitor: Sendo essa coluna sobre “História Militar”, temos tratado principalmente sobre vultos militares, e ainda sobre guerras e batalhas, onde países e povos se enfrentam. Os exércitos do mundo, vez ou outra, precisam lutar contra seus próprios irmãos, contra uma parcela de seu próprio povo que ameaça a estabilidade ou mesmo a existência da nação ou Estado. Frequentemente, com um fundo messiânico. Tivemos vários casos no Brasil, como o triste episódio de Canudos, em 1896, ou do Contestado, em 1912.Mas o prezado leitor consegue imaginar uma revolta religiosa com vinte milhões de mortos? Pois é, aconteceu…
Na década de 1840 a situação da China, sob a dinastia Qing, não era das mais promissoras. O Império Britânico e outras potências dominavam a fraca economia. Duas guerras aconteceram quando o decadente Império chinês tentou proibir o comércio do ópio, prejudicando o interesse dos comerciantes britânicos.
Foi numa região pobre, no centro da China, que surgiu a figura do místico Hong Xiuquan. Por volta de 1834, com vinte anos, após grave enfermidade, passou a ter delírios místicos. Logo Hong converteu-se ao Cristianismo, e passou a realizar pregações. Ele acreditava ser o irmão mais novo de Jesus Cristo, e que Deus o havia mandado ao mundo para erradicar os demônios… e a dinastia Qing. Desenvolveu uma doutrina que misturava sua versão pessoal do cristianismo com elementos do Taoismo e uma profunda aversão aos ídolos das religiões antigas,ao Budismo, ao Confucionismo e à etnia Manchu. Esta governava a China desde o século XVII. Hong pregava também o fim da sociedade estratificada chinesa e a criação de uma sociedade sem classes, sem escravidão, com divisão equitativa das riquezas e das terras e sem a opressão sobre as mulheres. Só não havia liberdade religiosa. Os conceitos, muito avançados para a época, atraíram literalmente milhões de pobres, camponeses, escravos, mulheres e ainda, pessoas de todas as classes que depositaram sua fé no novo Messias.
Em fins da década de 1840, com um elevado número de seguidores e recursos financeiros, organizou um exército de soldados fanatizados. Passaram a atacar templos, destruindo ídolos, e ocupar territórios.
Em 1851, Hong proclamou o início da “Era Tai-Ping”, significando “Paz Celestial” ou “Grande Paz”. Declarou que as terras sob seu domínio eram o “Reino da Paz Celestial”, do qual ele era o rei absoluto. Seus exércitos atacaram diversas cidades, expandindo mais e mais, chegando a tomar a grande cidade de Nanquim, em 1853. Essa tornou-se a capital do Reino Celestial. A expansão continuou até 1856, quando o “Reino” controlava 600 cidades e vilas. Uma tentativa de invasão de Pequim fracassou, causando incontáveis baixas entre os TaiPing.
Somente a partir de 1860, terminada a Segunda Guerra do Ópio, que o Império Qing conseguiu reunir um exército suficiente para combater os rebeldes. Contou,ainda,com a ajuda de tropas inglesas e mercenários norte-americanos. Batalhas e massacres de lado a lado aconteceram, ano após ano.
Depois de sangrentos combates, os últimos Tai Pin foram cercados em Nanquim, em junho de 1864. Ante a derrota iminente, Hong Xiuquan suicidou-se. Algumas versões dizem que se envenenou. Outras,que se matou com a própria espada. Com o fim da rebelião, seu corpo foi exumado pelos vencedores e atirado aos esgotos.
A rebelião dos seguidores “Irmão mais novo de Jesus Cristo” causou um número estimado em vinte milhões de mortos, tanto no processo de expansão da seita, quanto nas guerras para extingui-la. Para ter uma ideia desse número, é o mesmo que sete vezes a população do nosso Mato Grosso do Sul. O conflito acelerou a decadência econômica e política da China. Aumentou os conflitos entre as diversas etnias que compunham e compõem a população chinesa. E serviu de inspiração para movimentos igualitários, como o Partido Comunista Chinês, surgido em 1921.
Muitos ensinamentos podem ser tirados desse triste episódio. Talvez, o mais importante é a importância de evitar a mistura entre crença religiosa e política, e o horror que o fanatismo pode trazer aos seguidores e aos povos vizinhos.

Até a próxima.