Por Francisco Mineiro
Amigos, tenho conversado com pessoas que conhecem profundamente universos fictícios: Marvel, Harry Potter, Star Wars. E vejo com preocupação como conhecemos pouco a História real. Existem personagens e eventos tão empolgantes quanto os da ficção ou romances. Uma narrativa que beira o inacreditável foi a epopeia conduzida em terras pantaneiras pelo Tenente João de Oliveira Mello, ou “Mello, o Bravo.”
Esse João nasceu na Paraíba, em 1836. Sentou praça aos 15 anos, e em 1861, já 2º Tenente, foi enviado ao Mato Grosso. Nestas terras, viveu a Guerra do Paraguai.
Tenho visto estudiosos querendo atribuir ao Brasil a iniciativa da Guerra da Tríplice Aliança. É falso. O governo Solano Lopes fez o primeiro movimento, invadindo o Mato Grosso e atacando o Forte de Coimbra em 27 de dezembro de 1864. Mello estava no Forte nesse dia. Embora fosse de Artilharia, assumiu o comando da Infantaria disponível. Todo homem capaz de atirar foi empregado na desesperada defesa. A fuzilaria, estimulada pela energia de Mello, conseguiu impedir que as colunas guaranis invadissem o Forte por dois dias.
Eram mais de 3.200 atacantes, contra menos de 120 defensores. Por tal desequilíbrio de forças, já sem munição, e sabendo o que aconteceria às famílias presentes no Forte, o Comandante, Coronel Porto Carrero, decidiu retrair em sigilo, durante a noite. Mello foi contra, queria resistir até o fim, mas obedeceu. Todos escaparam da morte certa.
Os refugiados de Coimbra chegaram a Corumbá, e a próspera cidade mergulhou no caos. O Comandante da Guarnição militar de Corumbá, Coronel Carlos de Oliveira, decidiu pela retirada. Todas as embarcações existentes na cidade foram utilizadas na fuga. O Tenente Mello só embarcou no último barco a vapor depois de verificar que a pólvora e munição, que não pudessem carregar, haviam sido atiradas ao rio. Logo, sua embarcação alcançou a escuna Jacobina, sobrecarregada de refugiados. Estes temiam ser alcançados pelos vapores paraguaios. Os refugiados clamaram por Mello, lembraram de sua liderança em Coimbra.
O Tenente Mello passou para a embarcação lenta, e acalmou as pessoas. Mas, trinta e seis quilômetros acima de Corumbá, ele viu que seria inevitável serem alcançados e pelos velozes navios a vapor paraguaios. Tomou então uma decisão crítica. Encostou na margem, desembarcou todo o pessoal e afundou a embarcação. Internou-se na mata com todas as pessoas que estavam na Jacobina. E começou uma jornada épica.
Caro leitor, uma marcha no Pantanal é difícil, até em nossos dias. Tudo testando os limites do homem: lama, mosquitos, umidade, calor de dia e frio à noite, animais e vegetação cerrada. E tem a água, corixos, lagoas, rios, alagadiços, todo tipo de obstáculo.
Imagine então o caro leitor o que foi a epopeia do bravo Tenente Mello. Ele conduziu um grupo heterogêneo de 479 pessoas por 650 quilômetros de matas e rios. Eram 230 soldados, e 249 velhos, mulheres e crianças. Foram quatro meses, desde o afundamento da escuna, em 04 de janeiro, até a chegada em Cuiabá, em 30 de abril de 1865. Era o período de chuvas torrenciais na região. E, além dos obstáculos naturais, havia o inimigo, que enviou patrulhas fluviais e terrestres no encalço dos fugitivos.
O grupo andou 125 quilômetros de alagadiços, navegou 175 quilômetros em pequenas embarcações no Rio Taquari, e caminhou 350 quilômetros de matas e cerrados. O Rio Paraguai corre no sentido Norte-Sul. Mello conduziu o grupo para Leste, afastando-o do rio dominado pelos paraguaios. Buscou as fazendas conhecidas e a antiga trilha dos monçoeiros.
Não havia médico, a comida escasseava, as pessoas tinham para seu uso somente o que conseguissem carregar no terreno inóspito. Partiram com apenas 220 cartuchos de munição. Só na primeira parada, havia cerca de cem doentes com alguma gravidade. A dureza da jornada exigiu severas medidas de disciplina, para que os erros de alguns não comprometessem a segurança de todos. Com tudo isso, apenas quatro pessoas foram perdidas, quatro soldados capturados pelos invasores guaranis.
Mello e seus companheiros foram festejados em sua chegada. Mas a Guerra não acabara, e ele ainda participou da retomada de Corumbá, comandando uma das companhias que expulsaram os paraguaios daquela cidade.
Após a Guerra, seguiu na carreira militar, chegando a General de Divisão. Atuou em diversos eventos militares e políticos da época.
Sua morte carregou uma dose de ironia. Aos 66 anos, o homem que havia salvado centenas de pessoas nos rios e pantanais, afogou-se no rio Cuiabá, na cidade do mesmo nome…
Amigos, a rica História do Brasil é ornamentada com a presença de gigantes como o General Mello, o Bravo. O que nos falta é conhecê-los e exaltá-los como merecem.
Até a próxima.