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O Homem que salvou o mundo- Vasili Arkipov…

Vasili Arkhipov e sua esposa Olga Arkhipov, em foto do acervo particular da família.

Por Francisco Mineiro

Querido leitor: frequentemente os filmes exploram uma situação imaginária em que monstros, extraterrestres, demônios ou vírus mortais quase destroem a humanidade. No último momento, o protagonista salva o mundo. Pois isso aconteceu na vida real, quando a fria decisão de um homem evitou uma catástrofe nível extinção. Vamos ver como.

O poder das armas atômicas é algo difícil de imaginar. A bomba atômica que destruiu Hiroshima em 1945 tinha o poder de 16 quilotons, ou 16.000 toneladas de TNT, o explosivo militar padrão. Matou instantaneamente 80.000 pessoas, e outras 150.000 morreram em dias pelas queimaduras, radiação e ferimentos.

Após a 2ª Guerra Mundial, começou a Guerra Fria, a disputa de poder entre os Estados \Unidos e a União Soviética. Os dois começaram a “corrida nuclear”, a fabricar e estocar uma quantidade de armas nucleares muito mais potentes que a de Hiroshima, e numa quantidade suficiente para exterminar a humanidade várias vezes.

Em 1962 o governante da União Soviética, Nikita Khrushchov, decidiu instalar mísseis atômicos em Cuba, a 150 km de território americano. Seria uma resposta à colocação de mísseis americanos na Itália e Turquia. Jatos espiões fotografaram as instalações, e uma pesada guerra diplomática começou, quase degenerando na guerra atômica. Foi a chamada “Crise dos mísseis”.

Não foi apenas diplomacia. O governo americano exigiu a retirada dos mísseis. Havia pessoas no Gabinete de Crise do Presidente Kennedy propondo bombardear ou invadir Cuba. O mesmo do lado soviético: alguns conselheiros sugeriam a Khrushchov entrar em guerra, mas não ceder à pressão ocidental. Os Estados Unidos estabeleceram um bloqueio naval a Cuba: navios soviéticos destinados à ilha eram parados e revistado sob ameaça. Em 27 de outubro um avião espião foi abatido sobre Cuba, e o piloto morreu. Por pouco, não foi o estopim para uma guerra apocalíptica.

Felizmente, o pior foi evitado, os mísseis retirados de Cuba em 29 de outubro e da Turquia pouco depois. Por conta dos eventos, uma linha direta de comunicação entre o Kremlin e a Casa Branca foi montada, o chamado “telefone vermelho”.

Pois foi neste clima nervoso que quatro submarinos, armados com torpedos nucleares, foram enviados a Cuba para escoltar os navios de carga. Naquele mesmo “sábado negro”, 27 de outubro, o submarino B-59, da classe Foxtrot, foi detectado por forças navais norte-americanas. Estas lançaram cargas de profundidade, mas do tipo usado em treinamentos, de pequeno poder. O objetivo não era destruir o submarino, mas obrigá-lo a emergir para identificação e revista.

Só que os tripulantes do B-59 estavam submersos há vários dias, tendo perdido a comunicação com Moscou e com o resto da flotilha. Não haviam sido comunicados sobre os procedimentos que seriam adotados pela frota americana. O que sabiam era que a guerra era iminente, e naquele momento estavam sob bombardeio. A dedução possível era que A Guerra havia começado. E as ordens era para usar a “arma especial”. Para complicar, aqueles submarinos foram projetados para as águas geladas do Norte, e no calor do Caribe, os sistemas de ar-condicionado entraram em pane, agravando o estado emocional e a saúde da tripulação.

A decisão de emprego do torpedo atômico precisava ser confirmada pelos três oficiais mais graduados a bordo: o Comandante do B-59, Capitão Valentin Savitsky, o Sub Comandante Vasili Alexandrovich Arkhipov e o Comissário Político Ivan Maslennikov. “Comissário Político” é uma autoridade do Partido Comunista que vigia e garante a lealdade dentro das unidades militares.

Os dois primeiros estavam firmemente convencidos que a guerra estava em curso e que deveriam usar os torpedos. Segundo o Capitão russo Vadim Orlov, testemunha ocular, Savitsky chegou a gritar “Vamos destruí-los agora! Nós morreremos, mas afundaremos todos; não seremos a vergonha da frota”. Arkhipov não aceitou disparar os torpedos. Manteve-se calmo e conseguiu serenar os ânimos. Naquele momento de crise, valeu o prestígio de Arkhipov, cuja reputação era simplesmente de um herói: em 1961, ele havia se exposto voluntariamente a altíssimos níveis de radiação para salvar um submarino cujo reator superaquecera.

Por fim, nosso herói convenceu os demais a emergir o submarino e tentar contatar Moscou, para novas ordens. Imagine o caro leitor a surpresa dos marinheiros americanos quando um submarino soviético surgiu no meio deles. O B-59 se identificou e partiu de volta para casa…

As pessoas não tinham noção do que seria uma guerra nuclear, o risco que ela traria para toda a nossa espécie. A frota que retornou de Cuba foi muito mal-recebida. Afinal, parecia uma vitória do ocidente. O Comandante da flotilha de submarinos ouviu de um alto Oficial de Moscou que “era melhor terem morrido por lá do que voltar sem vitória”…

Nosso personagem ainda continuou na Marinha, aposentou-se e morreu em 1998, com 72 anos, sem reconhecimento pelo seu ato. Somente após o ano 2000, com a publicação do livro do Capitão Vadim Orlov, o papel de Arkhipov começou a ser conhecido. Em 2002, o Diretor do Arquivo de Segurança Nacional dos Estados Unidos chamou-o de “o homem que salvou o mundo”.

Pois é, amigo leitor. Um russo que pouca gente ouviu falar, evitou a destruição da humanidade, ou a sua volta à idade da pedra… Será que a Providência Divina tem outros como ele para evitar a próxima Guerra?

Até o próximo texto…