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OS PRACINHAS E A CENSURA

Imagem de um grupo de pracinhas tocando e cantando

Por Francisco Mineiro

Amigos leitores há um velho ditado que reza: “em tempos de guerra, mentiras como terra”. O que é mais comum de ser visto no dia a dia do que a terra que pisamos? De fato, quando os tiros começam em um conflito, a primeira vítima é a verdade. Os contendores precisam ocultar do inimigo suas verdadeiras intenções, fraquezas e potencialidades, e mentem para obter esse ocultamento. Precisam mobilizar seu povo para o apoio à causa da guerra, estimular seus aliados, e convencer os neutros para, no mínimo, não aderirem ao inimigo. E a verdade é totalmente secundária nesse processo. Sempre foi assim, e continua sendo, inclusive nas guerras de nosso século XXI.

A visão distorcida do conflito pode surgir até de forma involuntária, e é o que tentaremos abordar nesse texto.

Em 1944, quando a força Expedicionária Brasileira desembarcou na Itália, depois de atravessar um Atlântico patrulhado pelo inimigo nazista. Tudo o que, anteriormente, se lia nos manuais como um mero assunto para treinamento, precisou ser implementado e exaustivamente treinado: sigilo, normas de escurecimento à noite, manuseio das armas e equipamentos, rapidez nas tomadas de posições de combate, segurança de comboios, uma infinidade de procedimentos. Era guerra de verdade, e cada detalhe era importante para a preservação da vida e eficácia das operações.

Uma coisa desagradável, mas necessária, era a “censura de combate”. Naqueles tempos, sem Internet, o meio de contato dos “Pracinhas” com seus entes queridos no distante Brasil eram cartas. Por medida de segurança, as cartas enviadas pelos militares eram abertas por agentes do serviço postal, lidas e verificadas. Trechos das cartas eram cobertos com tinta preta, e algumas fotografias eram recolhidas. Não havia “sigilo postal”, tão importante numa democracia. Porque não era uma situação democrática, era guerra.

Um soldado que contasse para sua família onde estaria seu Batalhão em tal data, quem havia morrido, ou como estava o moral de tal tropa, poderia ter sua carta interceptada por agentes infiltrados no Brasil. Essa informação, importante do ponto de vista militar, seria levada aos nazistas, que tinham espiões em todos os países envolvidos. Fotografias de combates, de homens feridos, de mortos, de edificações em chamas e de tropas em locais de combate, tudo era removido e destruído, para não passar dados a possíveis espiões, nem afetar o moral das famílias e o apoio à guerra. O mesmo acontecia, em menor grau, para as informações enviadas pelos correspondentes de guerra. Diversos livros foram escritos, depois da guerra, sobre a ação dos jornalistas brasileiros no front, e as agruras para enfrentar duas censuras: a de guerra, e a da ditadura Vargas.

Com essa ação de “esterilização” das informações, as fotografias que chegavam às famílias e aos quartéis no Brasil mostravam momentos de descontração e intervalos entre os combates. Eram cenas de refeições e de batucada, de missas e de idas às praias, poses sorridentes junto a veículos e canhões, paisagens bucólicas e confraternizações com as populações italianas.  Nada de sangue, nem dor, nem morte, nem destruição. As cartas só continham amenidades, declarações de amor e saudade, e manifestações da profunda fé dos brasileiros.

O pai deste colunista, mesmo, enviou para a família, no interior de São Paulo, imagens de seu pelotão nadando nas praias do Mar Tirreno e de passeios turísticos por Roma.

A consequência disso foi que alguns brasileiros ficaram com a ideia de que a jornada da FEB foi um longo e dispendioso passeio. Na verdade, foi uma epopeia sangrenta, que teve mais de 10% de baixas entre mortos e feridos, mais um número incerto de lesionados mentais, e que não teve a divulgação no tempo em que acontecia. Somente quando os homens voltaram feridos, mutilados e perturbados, é que o povo brasileiro pode ter um vislumbre dos sofrimentos que seus compatriotas tinham passado.

Antes da revelação dos horrores do nazifascismo, existia um considerável número de simpatizantes daqueles movimentos. Também, havia muitas pessoas antipáticas à FEB, seja por motivos políticos, a começar pelo ditador Vargas, seja por desinformação, seja por pura inveja. Essas pessoas, provavelmente, utilizaram as informações parciais para reforçar seus pontos de vista junto ao povo e aos políticos.

Caríssimo leitor, essas colocações merecem um aprofundamento com rigor acadêmico. Seria pretencioso, numa tão curta coluna, esmiuçar esse aspecto da guerra, e as consequências que teve para os ex-combatentes e suas famílias. Esperamos, pelo menos, deixar algo para pensar sobre a história dos heróis que tão bem representaram nosso Brasil na Segunda Guerra Mundial.

Até a próxima.

Foto: Divulgação