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Um outro Pantanal, a mesma magia

Por Reinaldo Adri

Uma das maiores biodiversidades do planeta novamente está sob os holofotes em horário nobre, mas muita coisa mudou desde 1990

O Pantanal sempre foi conhecido por ter a maior biodiversidade do Brasil e uma das maiores do mundo. No entanto, o bioma sempre teve fama mais modesta do que, por exemplo, a Floresta Amazônica ou mesmo a Mata Atlântica. Essa situação começou a mudar um pouco no ano de 1990, quando a extinta TV Manchete levou ao ar a novela que desbancou a hegemonia da Globo, na época em que ela era muito maior do que é hoje, e revolucionou a teledramaturgia brasileira. O roteiro, escrito por Benedito Ruy Barbosa, havia sido rejeitado pela própria Globo.

Almir Sater como o chaneleiro Eugênio em ‘Pantanal’ Foto Globo -João Miguel Júnior

“Na minha vida artística, ‘Pantanal’ foi um divisor de águas. Todo artista quer que sua arte se divulgue. Quando eu entrei na novela, ela já era sucesso. Comecei a tocar, e de cara o Sergio Reis falou que eu podia levantar o queixo, colocar preço no show, porque estava fazendo sucesso. Comecei a trabalhar muito, como nunca trabalhei na vida, ganhei meu primeiro dinheirinho e comprei meu primeiro pedacinho de terra no Pantanal”, revela o cantor Almir Sater.

Trinta anos depois, a emissora da família Marinho finalmente resolveu corrigir o erro histórico e investiu como nunca numa megaprodução para levar ao ar a história de amor entre Jove e Juma, interpretados dessa vez pelos atores Jesuíta Barbosa e Alanis Guillen. Do elenco original, Marcos Palmeira permanece, dessa vez no papel do fazendeiro José Leôncio.

Escrita agora por Bruno Luperi, neto de Benedito, Pantanal se tornou a grande aposta da Globo no momento de sucessivos fracassos no horário nobre. De fato, o Brasil de 2022 é muito diferente daquele do começo da década de 90. A TV aberta perde cada vez mais espaço para o streaming e a vida mais acelerada, com grande fluxo de informação a cada minuto na palma da mão, transformou a linguagem novelística em algo quase obsoleto, substituída gradualmente pela dinâmica bem mais rápida de séries norte-americanas, coreanas, europeias, mexicanas e brasileiras.

O sucesso da primeira versão é praticamente impossível de se repetir. Os parâmetros para classificar se a obra está indo bem em audiência devem ser muito distintos dos aplicados antes. Por outro lado, ao mesmo tempo que o consumo do entretenimento ficou mais diversificado, o país evoluiu economicamente e em qualidade de vida, o que permite, sim, acreditar que a regravação trará ganhos para o estado de Mato Grosso do Sul.

Os anos que se seguiram à exibição da novela na Manchete foram a era de ouro do Pantanal. Ao mesmo tempo que a região passava por enormes mudanças em sua infraestrutura e o turismo se desenvolvia fortemente. MS ficou conhecido como ‘o estado do Pantanal’, o que fez inclusive o ex-governador Zeca do PT a propor a mudança de nome da unidade federativa, tema que trouxe aos seus dois mandatos calorosas discussões políticas, principalmente o senador Ramez Tebet, crítico ferrenho da mudança. Na campanha por essa mudança, o governo do estado patrocinou até o desfile do Salgueiro em 2001 na Marquês de Sapucaí.

O sucessor de Zeca, André Puccinelli, quis deixar como grande legado do seu governo a construção do Aquário do Pantanal, em Campo Grande. A obra, projetada pelo renomado arquiteto Ruy Ohtake, já falecido, seria um consolo para cidade que não conseguiu se tornar uma das sedes para a Copa do Mundo de 2014, ano em que o aquário deveria ser inaugurado. Porém, a obra se tornou um grande embaraço, com escândalos de com irregularidades que adiaram sua conclusão em oito anos. Finalmente, a abertura ocorreu no dia 28 de março deste ano, mesmo dia de estreia da novela na Globo, numa jogada publicitária de mestre do secretário de Infraestrutura Eduardo Riedel, pré-candidato ao governo do estado.

A vinculação do nome Pantanal com Mato Grosso do Sul sempre foi ponto de discórdia. A grande planície alagada, um tanto inóspita para pessoas e com uma fauna exuberante não é exclusiva do estado. Ela se estende para o Mato Grosso e para dois países, Paraguai e Bolívia. Embora mais de 60% do bioma esteja aqui, o território sul-mato-grossense é constituído em mais de 70% de cerrado. Aliás, é justamente no encontro dos dois biomas, na beira da Serra de Maracaju e Bodoquena, que se encontram as paisagens mais bonitas da região.

“Um mês antes de começarem as gravações, fui passar 15 dias no Pantanal, liguei para alguns amigos e expliquei que eu gostaria de conhecer a região, fui com eles, passamos juntos essas duas semanas. Dentro desse período, fui para a casa do Almir (Sater) passar três dias e o restante foi nas redondezas de Aquidauana, no Bosque Belo, a meia hora de Aquidauana. Foi um impacto muito grande. É uma quantidade de bichos. Eu queria perder isso, queria que meu personagem não tivesse um deslumbramento de quem está vendo isso tudo pela primeira vez”, diz o ator Renato Goés, que interpreta José Leôncio na primeira fase.

Uma natureza que mudou muito nos últimos 30 anos, diga-se de passagem. Foram áreas desmatadas, rios assoreados, secas contínuas, desequilíbrio ecológico e, obviamente, muitas queimadas. Talvez por isso a mensagem ambiental da novela, encarnada principalmente na personagem Velho do Rio, interpretada dessa vez por Osmar Prado, esteja tão presente.

“Eu nunca tinha ido ao Pantanal, e agora estou apaixonado pelo que conheci. Eu sabia que encontraria pessoas legais, mas estou em êxtase porque essa viagem foi uma oportunidade muito boa. Tenho 63 anos de carreira e 74 de idade. Ser chamado para fazer o Velho do Rio é uma convocação. Como se eu fosse para um movimento revolucionário, com a mesma integridade, força e dedicação. Nada mais atual do que a fala e as coisas que o Velho do Rio defende”, diz Prado.

Mas mesmo sendo um cenário tão distinto do que foi, o Pantanal continua com sua magia, importância econômica por meio da pecuária e relevância cultural que dita muito dos costumes dos sul-mato-grossenses. Uma das maiores riquezas do estado e do Brasil, que novamente ganha os holofotes e, com essa oportunidade, tem a esperança de ser salva.

Juliana Paes é Maria Marruá — Foto João Miguel Júnior – Globo

“Quando você chega, todas as expectativas são superadas, porque eu vi bichos que eu nunca tinha visto na minha vida, ouvi sons que eu não tinha escutado ainda. Fora que tem uma energia diferente. Tem que estar lá, porque o ar é diferente, o tempo é diferente, onde a vista alcança é diferente. Então, tudo isso traz para dentro da gente uma sensação diferente também, que as fotos não conseguem transmitir. Acho que, talvez, a gente com as imagens da novela consiga chegar o mais perto disso. Mas ter estado no Pantanal foi muito bom, especial demais”, confessa a atriz Juliana Paes, nova Maria Marruá.