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O Inacreditável vai à Guerra – Causo 3 Cair das nuvens e sobreviver…

Nicholas Alkemade em desenho a lápis. Este desenho foi feito pelo Tenente Bennet Ley Kenyon enquanto ambos eram prisioneiros de guerra no Stalag Luft II, e faz parte do acervo do Museu da Real Força Aérea;

Por Francisco Mineiro

Caríssimo leitor: continuamos neste artigo a série sobre fatos ocorridos em ações militares, que foram documentados e tiveram testemunhas, mas que beiram o impossível.

Bem, considerando que pessoas morrem caindo de um telhado a três metros do chão, é realmente difícil crer que alguém caia de um avião e não morra. Pois isso aconteceu por três vezes na Segunda Guerra Mundial. O caso mais conhecido é do Sargento da Força Aérea inglesa Nicholas Stephen Alchemade.

O jovem Sargento de Voo foi designado como atirador de cauda numa missão de bombardeio ocorrida na noite de 24 para 25 de março de 1944. Foram centenas de aviões aliados que despejaram suas bombas em Berlim e arredores. Entre elas, o imenso Avro Lancaster B MkII de Alchemade.  A designação do avião era A4-K, mas sua tripulação o tinha batizado de “Lobisomem”. Estava na rota de retorno, e fortes ventos levaram parte da esquadrilha para próximo do vale do Rhur, onde existiam densas defesas antiaéreas.  O “Lobisomem” foi atacado por baixo pelo avião de caça alemão Junker Ju 88, especializado em combate noturno, pilotado pelo Oberlieutenant Heins Hokker.

A nacele do atirador de cauda era uma apertada bolha transparente, algo copiado depois na famosa espaçonave Millenium Falcon, dos filmes de Star Wars. Alchemade ainda conseguiu atirar com suas quatro metralhadoras contra o caça alemão, antes que este levasse vantagem. No ataque, a asa esquerda e parte da fuselagem explodiram em chamas. A nacele ocupada por Alchemade foi tomada pelo fogo, as placas de acrílico Perspex quebraram e o paraquedas que ele deveria usar incendiou-se. Ante a certeza de ser incinerado numa morte dolorosa, Alchemade decidiu atirar-se para fora do avião, a 5.500 metros de altura.

Incrivelmente, chegou ao solo alemão com algumas escoriações, queimaduras nas mãos e no rosto e um joelho torcido… mas vivo. Os densos pinheiros da região e o espesso tapete de neve amorteceram a queda. Após três horas de dor, foi encontrado por civis alemães e levado a para o hospital Meschede. Lá, foi interrogado pela Gestapo, o serviço de inteligência nazista. É claro que os alemães não acreditaram em sua narrativa, mas logo localizaram o ponto onde o inglês caíra. Sobre a neve estava o equipamento que deveria acionar o paraquedas, intacto, demonstrando que não fora usado. A Inteligência alemã também encontrou a carcaça do avião abatido, com evidências que confirmavam o relato de Alchemade.

Da tripulação do Lancaster, quatro morreram na queda, dois conseguiram saltar em paraquedas, e Alchemadefoi salvo pelo destino.

Os meticulosos oficiais alemães redigiram um termo atestando todo o ocorrido, documento que foi recolhido e transcrito pelas Forças Armadas inglesas. De seu aprisionamento até o final da guerra, Alchemade tornou-se um prisioneiro famoso por sua aventura. Até a imprensa alemã o fotografou antes de ser recolhido ao campo Stalag Luft III, na Polônia.

Findo o conflito, Alchemade deu muitas entrevistas, uma das quais está disponível no Youtube. Escreveu um artigo publicado pela revista “Selections of Reader’s Digest: “Eu caí de 6.0000 metros e estou vivo”. Em um dos depoimentos, declarou:

Avro Lancaster voando sobre a França, em 1944, observando-se a pequena nacele de cauda com suas quatro metralhadoras.

“…Se eu tivesse ficado, eu teria queimado até a morte, e minhas roupas já estavam em chamas e meu rosto e minhas mãos estavam em queimaduras, apesar de que, naquele momento, eu nem percebia a dor por causa de meu estado de super excitamento… Eu decidi pular e terminar tudo aquilo o mais rápido e limpo que eu pudesse. Eu girei a torre à estibordo, e, sem nem ao menos me importar em tirar meu capacete e meu intercom, dei um pulo para atrás ao encontro do céu noturno…”

Realmente a Morte não tinha pressa em ceifar nosso herói. Depois da guerra, ele foi trabalhar em uma indústria química em sua vila natal de Loughborough, onde escapou de três acidentes industriais graves. Após o terceiro, decidiu tornar-se comerciário.

Nikolas Alchemade faleceu de causas naturais aos 64 anos, em junho de 1987.

O impossível acontece? Acontece querido leitor. Mas eu recomendo veementemente sempre seguir a máxima difundida por Carl Sagan: “Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. E, no caso de nosso personagem de hoje, os documentos e testemunhos alemães foram evidências realmente extraordinárias… Até a próxima.